- O meu marido vive para o trabalho. Só pensa no trabalho. Não temos filhos. A casa é a sua grande paixão.
- Julgava que fosse a Mariana.
- Os homens cansam-se depressa das paixões.
Daniel olhou Mariana. Ficou surpreendido pela beleza, misto de provocante e inocente; olhos negros inquietantes, cabelo muito preto, caído displicentemente sobre os ombros, nariz perfeito, boca grande, sorridente, apetitosa. Nunca tinha reparado. Vinte anos de contactos rotineiros, sempre muito agitados, tinham feito dele um cego. As viagens de um país para outro, pouco tempo lhe deixavam livre para se debruçar com mais atenção sobre aqueles que, mesmo trabalhando lado a lado, lhe eram desconhecidos. Olhou-a deslumbrado. Pela primeira vez sentiu-se atraído pela aura de uma mulher que tanto tempo vivera a seu lado sem dar pelo seu encanto.
- Bebe?
- Se me oferece. “Mariana aproximou-se de Daniel, agarrou-lhe a mão direita e levou-a aos lábios. Daniel ficou perturbado. Instintivamente puxou Mariana para si.
Olharam-se longamente. Mariana abraçou-o. Encostou-lhe a cabeça no peito. Daniel sentiu-se calmo e feliz. Também não se preocupou. Cingiu Mariana com sofreguidão; esta respondeu-lhe com desejo.
O corpo de Daniel absorve forças. Os seus setenta e um anos ganharam os apetites e as fúrias dos quarenta. O amor refinado, mais audaz e mais seguro das suas potencialidades e dos prazeres que sabe dar e receber, estende-se por toda a sala, por toda a casa, amando em cada recanto, em cada local e terminando no quarto onde o tempo, no templo do amor, parecia não acabar. Mariana perdida de prazer e luxúria, tanto pedia para terminar como para continuar. Daniel não compreendia o porquê daquela potência.
Tinha encontrado a mulher capaz de o fazer feliz, talvez a mulher da sua vida.”
- Mariana... as nossas idades...
- Não diga nada. Deixe-me saborear e agradecer aos deuses o irresistível do prazer.
- O seu marido...
- Chiu! Não fale nele. Esqueça. Deixe-me sentir a felicidade de estar consigo. Deixe-me absorver o gosto da sua pele.
- Depois de minha mulher, nunca mais tive outra.
- Nem eu, outro homem. Mas agora compreendo que pedir a um homem ou a uma mulher que tenha um só amor é o mesmo que pedir a Deus para escolher um ser e dedicar-lhe todas as atenções.
Coloque a máscara. Não facilite. Estamos todos na corda bamba. Oiça o que eles dizem. A tragicomédia da Primeira República, 1910-1926, pode repetir-se.
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C.S
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